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Elogios da desgraça



Parabéns, você está lendo este artigo. Muitos de seus amigos só querem assistir vídeos, nem tem mais paciência para ler livros, e você aí investindo um tempo para ler. Excelente, você deve ser muito inteligente. Assim você vai longe!


Quem não gosta de receber elogios? Somos condicionados, desde a infância, a buscar a aprovação daqueles que consideramos referências. Precisamos ser aceitos em determinados grupos, e esta aceitação geralmente é verbalizada em forma de elogios. Na verdade, nada errado com os elogios, mas sim a maneira que utilizamos.


Disparamos elogios em casa, na rua, no trabalho e geralmente sem pensar nas consequências. O resultado pode ser catastrófico. A curto prazo, o alvo dos elogios pode se sentir desconfortável, inseguro e ansioso. A longo prazo, ele tenderá a desenvolver sérios problemas em enfrentar desafios e lidar com os fracassos.


Em alguns casos, o estrago começa já na infância. Se for reconhecida como inteligente, uma criança pode sentir pressão demais sobre os ombrinhos para corresponder às expectativas. Isso às vezes é bom, porque incentiva a criança a estudar para conseguir boas notas. Mas também pode ser ruim, muito ruim – por estimular a criança a usar truques para se destacar. Como fizeram alguns dos 400 alunos de uma escola de Nova York pesquisados pela psicóloga americana Carol Dweck, da Universidade Stanford.


Carol realizou uma série de estudos com essa turma. Um deles era composto de 4 provas. Na 1ª, alunos da 5ª série fizeram um teste de QI, simples para estudantes da sua idade. Terminado o teste, os pesquisadores davam as notas aos estudantes, e encerravam a conversa com um elogio. Metade deles ouvia “Você deve ser muito inteligente”. Para a outra metade, o texto era diferente – não parabenizava o aluno diretamente, e sim sua atitude: “Você deve ter se esforçado muito para conseguir esse resultado.” Carol e sua equipe queriam dividir os alunos em dois grupos -“os inteligentes” e “os esforçados” – para ver o impacto da diferenciação no comportamento das crianças.


O impacto apareceu rapidinho, já na 2ª tarefa. Nela, os estudantes tiveram a chance de fazer sua escolha: um teste simples, tão fácil quanto o 1º, ou um mais complicado, que “faria com que eles aprendessem muitas coisas novas”. O grupo dos inteligentes escolheu o teste fácil. O dos esforçados foi mais corajoso – optou pela prova difícil. Aí veio o 3º teste, bem mais complexo que os anteriores. Os dois grupos se deram mal. Só que os esforçados – justificando o apelido – se dedicaram muito mais à resolução da prova. Os inteligentes? Esses ficaram extremamente nervosos. Mal conseguiram terminar o teste.


A grande surpresa, no entanto, veio na 4ª prova. Essa era barbada, tão fácil quanto a primeira. O resultado: os elogiados pelo esforço melhoraram em 30% a nota que haviam tirado na 1ª prova. Já os inteligentes foram mal – o desempenho deles despencou 20%.

Como se não bastasse os desafios de aprender o elogio sincero e ético, em lares onde houve dissolução matrimonial, com filhos ainda na fase da infância (até 12 anos), a incidência aos falsos elogios é maior. Na tentativa de compensar uma mudança estrutural familiar, a ausência de um dos pais, os tutores tendem a exagerar nos elogios, como recursos para suprir a carência afetiva. E o problema é mais sério, pois somos altamente vulneráveis à influência daqueles que admiramos. No cenário doméstico, os pais exercem elevada influência sobre os filhos, ainda mais na fase da infância. Portanto, os falsos elogios são recebidos como verdades absolutas e inquestionáveis.

Como os falsos elogios são centrados no resultado e não no processo, essas crianças crescem buscando sempre reafirmar essa “verdade”, evitando desafios e qualquer situação que possam fracassar. E como ficaram viciadas em elogios, exigem elogios para tarefas e resultados basilares.


O pior, é que eles cresceram, se formaram e estão no mercado de trabalho, e se dizem viciados em feedback, enquanto na verdade são viciados em elogios, pois não sabem lidar de maneira madura com as críticas, muito menos com o fracasso, esse tem cunho traumático e a culpa é sempre do outro, do trabalho, do chefe, dos colegas, etc. E se você parar para pensar é muito compreensível, pois eles cresceram ouvindo elogios falsos de pessoas que exerciam forte influência sobre a vida deles. Ora, então não pode ser mentira. Portanto, o erro só pode ser um fator externo, pensam.


Pessoas com mindset fixo - sistema de crenças fundamentadas na crença principal de que as suas habilidades são in natura, ou seja, já nasceram com elas - e que receberam uma overdose de elogios falsos, cresceram sabotadas por aqueles que pensavam estar ajudando. É preciso buscar ajuda para rever o sistema de crenças. Pessoas com mindset de crescimento - sistema de crenças que estruturadas no poder do aprendizado e do crescimento continuado. Tudo pode ser aprendido com esforço e dedicação – lidam com o fracasso de forma positiva, e se lançam mais aos desafios e estão mais abertos ao novo.


Os alunos de mindset fixo, quando vão mal em uma prova, se julgam e sentenciam “Sou incapaz, sou burro, não sou bom o suficiente, etc.”. O foco é sempre o próprio, pois está sempre buscando se auto afirmar, e as suas ações sempre buscam a autoafirmação. Os alunos de mindset de crescimento quando vão mal em uma prova, julgam e sentenciam “Devo estudar mais na próxima prova. Vou olhar o que eu errei e estudar mais. Preciso diminuir o tempo de descanso e focar mais nesta matéria.”. O foco é o processo, e não o próprio. Possuem um sistema de crenças que permite lidar com o fracasso e com as dificuldades de uma forma positiva e perfeitamente reversível. As pessoas com mindset de crescimento são movidas pela esperança do constante aperfeiçoamento e crescimento. 


Alguns modelos de remuneração são totalmente orientados para o resultado. O problema é que muitas vezes, a inovação e a quebra de paradigmas vem do esforço em tentar o novo, e se o esforço não é recompensado, a tendência é criar uma cultura organizacional da “Zona de conforto”, onde os colaboradores restringem-se em fazer aquilo que já sabem. Se uma organização é orientada para resultados, dificilmente terá processos que verdadeiramente busquem a inovação. E se a inovação surgir, será mero acidente, puro acaso. Sem dúvida que os resultados são relevantes, mas quando sacralizados, colocam em xeque a cultura de crescimento e inovação.

E você? Qual é o seu mindset?


Só no mal-entendido


Quando a mensagem do elogio não chega como deveria:

 O QUE O PAI DIZ – “Olha só que desenho lindo! Você vai ser o próximo Picasso!”
O QUE O FILHO PENSA – “Melhor não desenhar nada difícil, ou ele vai perceber que eu não sou Picasso nenhum!”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Adorei o modo como você usou as cores nesse desenho. Usou lápis ou canetinha?”

O QUE O PROFESR DIZ – “Ótima redação! Você escreve muito bem!”
O QUE O ALUNO PENSA – “A única coisa que sei fazer é escrever. Melhor nem me esforçar nas outras matérias!”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Você realmente se empenhou. Gosto muito quando você se esforça nos trabalhos.”

O QUE O CHEFE DIZ – “Seu departamento fez um ótimo trabalho!”
O QUE O FUNCIONÁRIO PENSA – “Ele não tem a menor ideia de quem sou e o que faço na empresa. Meu trabalho nunca será valorizado.”
O QUE DEVERIA SER DITO – “Soube que seu estudo sobre investimentos foi fundamental para o seu departamento. Parabéns!”

O QUE A EXECUTIVA DIZ – “Adorei sua roupa. Por que não se veste sempre assim?
O QUE a SECRETÁRIA PENSA – “Ela odeia o jeito como eu me visto. Se quiser agradar, vou ter que me vestir sempre assim.”
O QUE DEVERIA SER DITO – Nada. A questão da roupa não deveria ser mencionada. A frase poderia até ser considerada assédio moral.

Para saber mais:

NurtureShock - Por Bronson e Ashley Merryman, Twelve, 2009.

Mindset - Carol S. Dweck, Greenwood, 2007.

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Robson Vitorino  é diretor executivo da Maxta, escritor e professor. É autor de diversos livros sobre Gestão Estratégica. Membro do International Stress Management Association – ISMA BR. Professor convidado do IBMEC. Mestre em Gestão do Conhecimento e Direção de Recursos Humanos, Pós-graduado em Filosofia, Pós-graduado em Marketing, Graduado em Comunicação Social.



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